FAKE NEWS E O ESPIRITISMO
Sábado à tarde, celular vibra, você o pega e vê uma notificação de mensagem no grupo de WhatsApp da família. Abre o aplicativo e vê que sua tia Gertúlia compatilhou uma matéria dizendo que Vitamina C e Zinco atuam no combate ao Coronavírus.
Você lê o pequeno, mas convincente texto, e, rapidamente, encaminha a mensagem para dezenas de contatos com a certeza de que estará contribuindo para que seus amigos possam ter tão valiosa informação; em seguida, vai correndo à farmácia comprar uma caixinha de vitamina C + Zinco, sabor laranja!
Pronto! Você foi mais um a cair na arapuca das Fake News!
Mas o que são Fake News?
Segundo o Dicionário de Cambridge <https://dictionary.cambridge.org/pt/>, o conceito Fake News indica histórias falsas que, ao manterem a aparência de notícias jornalísticas, são disseminadas pela Internet (ou por outras mídias), sendo normalmente criadas para influenciar posições políticas, como piadas.
O leitor desatento, ao se deparar com esses textos mentirosos, deixa-se enganar pelas aparências, é levado a crer tratar-se de algo sério, já que nomes importantes são empregados, números, termos técnicos e tudo o mais para aumentar a falsa credibilidade da informação.
Crédulo de estar diante de uma INFORMAÇÃO, o leitor passa a ser um multiplicador, encaminhando a mensagem a outros contatos que, por sua vez, farão o mesmo, dando vida à célebre frase de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista: Uma mentira repetida diversas vezes, vira verdade!
As Fake News são a forma atualizada e moderna de disseminar boatos, calúnias, mentiras e fofocas.
Em tempos de crise, como a que vivemos, essa prática toma proporções gigantescas, uma vez que, movidos pelas dúvidas e desconhecimento do assunto, nos vemos leigos e sedentos de informações, porém, acabamos por buscar nos locais errados.
As redes sociais acabaram tomando o lugar dos sites sérios, dos blogs especializados, dos livros, dos institutos de pesquisa!
Tomados por um apagão de bom senso, acreditamos e aceitamos como verdadeiras todas as informações que por lá encontramos, não temos a preocupação de checar a origem, de avaliar a veracidade, por mais estranho que possa ser a notícia!
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um Painel de Checagem de Fake News, com o objetivo de checar dados e realizar ações de alerta à sociedade sobre o perigo da informação falsa <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/painel-de-checagem-de-fake-news/guia-pratico/>
De uma forma geral, o CNJ orienta a algumas atitudes para evitar cair nas Fake News, como as listadas abaixo:
• A informação tem link?
• O link abre ou está “quebrado”?
• A informação foi publicada em portal conhecido?
• A informação é assinada por alguém conhecido?
• A informação tem erros gramaticais?
• A informação começa de modo alarmista?
• A informação menciona terceiros, mas não diz o seu nome (famoso médico, famoso especialista, famoso jurista)?
• A informação pede para ser compartilhada?
Porém, não acaba ai! Você terá que se dar ao trabalho de checar, há alguns sites que te ajudam nesse trabalho.
Por fim, se você concluir que o conteúdo é verídico, ótimo! Agora você, de uma forma responsável, pode compartilhar tranquilo na sua rede social.
Porém, em caso de constatar tratar-se de uma Fake News, você deve denunciar.
Agora que sabemos o que são as Fake News, seus perigos e como se proteger, você pode estar se perguntando o que isso tem a ver com o Espiritismo?
Pois bem, meu caro leitor, vou lhe responder!
A Doutrina Espírita foi codificada pelo ilustre mestre lyonês Hippolyte Léon Denizard Rivail, um do mais distinto discípulo e ativo propagador do método da renomada Escola de Pestalozzi.
Sob o pseudônimo de Allan Kardec lançou as bases doutrinárias do espiritismo em 18 de abril de 1857, por meio da publicação do O Livro dos Espíritos.
Uma obra que coroava 20 meses de pesquisas e estudos, tendo Kardec à frente de um seleto grupo de médiuns formado por três garotas: Julie e Caroline Baudin, de 15 e 18 anos, e Ruth Japhet, de 20 anos.
O Livro dos Espíritos foi escrito no estilo pergunta-resposta e organizado em tópicos específicos, tratando de diversos assuntos sob a ótica da recém-nascida visão espírita. A primeira edição contava com 501 perguntas, já a segunda edição foi ampliada para 1019!
A partir desse marco, Kardec não parou.
Trabalhou incessantemente na construção da Doutrina dos Espíritos, de forma a oferecer aos espíritas, nada mais que 23 obras, no intervalo de 12 anos, isso porque um aneurisma o levou ao desencarne, em 31 de março de 1869, interrompendo seu trabalho.
Com sua partida para a pátria espiritual, o espiritismo ficava entregue a seus continuadores. A obra tinha que prosseguir.
Contudo, a comunidade espírita sentiu a falta da liderança exercida pelo “Bom Senso Encarnado”, e nem mesmo o empenho de Leon Denis, Gabriel Delanne e Camille Flammarion, seus principais continuadores, em ampliar os horizontes, conseguiu fazer com que a Doutrina Espírita continuasse a crescer no mesmo ritmo kardequiano!
Mas seu legado manteve-se. As ideias e ideais não sucumbiram ao tempo, muito pelo contrário, encontrou no Brasil terreno fértil para serem acolhidas, e assim prossegue cumprindo seu papel de orientar a humanidade nas questões espirituais.
Mas, e as Fake News???
Vejam, o espiritismo não possui um corpo administrativo ou hierárquico constituído de poderes para regular e censurar falas em seu nome. Todos são livres para expressar seus entendimentos.
Kardec não pretendeu criar uma nova religião nos moldes das que já existem. Ele queria que o conhecimento estivesse ao alcance de todos, e cada um fizesse o melhor uso dele.
Sob o ponto de vista da liberdade, trata-se de uma atitude ousada e inovadora. Caberia a cada espírita compreender as bases doutrinárias e promover sua divulgação.
Mas é claro que o nosso bom Codificador não nos deixou órfãos. Na estrutura espírita, por ele idealizada, deixou-nos uma série de orientações, dicas e sugestões de como devemos nos portar perante as mensagens que chegam do além.
Vejamos alguns exemplos, os grifos são meus:
Evangelho Segundo o Espiritismo – Autoridade da Doutrina Espírita.
“Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares. (…) Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade”.
Livro dos Médiuns:
186. “A primeira condição é, não há contestar, certificar-se a pessoa da fonte donde elas promanam, isto é, das qualidades do Espírito que as transmite.”
266. “Em se submetendo todas as comunicações a um exame escrupuloso, em se lhes perscrutando e analisando o pensamento e as expressões, como é de uso fazer-se quando se trata de julgar uma obra literária, rejeitando-se, sem hesitação, tudo o que peque contra a lógica e o bom-senso, tudo o que desminta o caráter do Espírito que se supõe ser o que se está manifestando, leva-se o desânimo aos Espíritos mentirosos, que acabam por se retirar, uma vez fiquem bem convencidos de que não lograrão iludir. Repetimos: este meio é único, mas é infalível, porque não há comunicação má que resista a uma crítica rigorosa. Os bons espíritos nunca se ofendem com esta, pois que eles próprios a aconselham e porque nada têm que temer do exame. Apenas os maus se formalizam e procuram evitá-lo, porque tudo têm a perder. Só com isso provam o que são.”
Adiante, São Luís deixa um conselho:
“Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos velhos provérbios. Não admitais, portanto, senão o que seja, aos vossos olhos, de manifesta evidência. Desde que uma opinião nova venha a ser expendida, por pouco que vos pareça duvidosa, fazei-a passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o bom senso reprovarem. Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.”
Percebem?
E há muitos mais exemplos iguais a esses espalhados pelas obras da codificação.
O rigor e zelo que Kardec imprimiu ao espiritismo eram reflexos da busca por uma unidade de pensamento. Ele, muito provavelmente, queria oferecer meios para que a Doutrina Espírita não fosse roubada por fanáticos supersticiosos ou ambiciosos sem escrúpulos.
Porém…
Desabituados a esse espírito de liberdade, e com um bom senso sem sempre atento, o espiritismo se viu a mercê de uma enxurrada de mensagens e livros, avidamente devorados, sem a menor análise.
Esquecemo-nos do mestre de Lyon.
Assim chegamos às Fake News.
Quão comum tornou-se receber mensagens supostamente psicografadas e, após uma rápida leitura, tratamos de encaminhar para nossas redes sociais, propagando-a sem o menor exame.
Em geral, são textos enormes, onde é possível observar trechos de consolo e amparo para cativar o leitor, é comum, também, citar alguma passagem do evangelho, a fim de dar credibilidade e, não raro, traz escondido pelos parágrafos revelações e sugestões de conduta que devemos ter para nos livrarmos do mal.
Vamos, novamente, evocar o Codificador, lá no Livro dos Médiuns (246)
“Há, Espíritos obsessores sem maldade, que alguma coisa mesmo denotam de bom, mas dominados pelo orgulho do falso saber. Têm suas ideias, seus sistemas sobre as ciências, a economia social, a moral, a religião, a filosofia, e querem fazer que suas opiniões prevaleçam. (…)Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de termos técnicos e recheada das retumbantes palavras caridade e moral. Cuidadosamente evitarão dar um mau conselho, porque bem sabem que seriam repelidos. Daí vem que os que são por eles enganados os defendem, dizendo: Bem vedes que nada dizem de mau.”
Veja como seria fácil evitar o engodo. Bastaria conhecermos o espiritismo a fundo!
Contudo, sem análise criteriosa, movidos, sobretudo, pela emoção, esquecemo-nos das três peneiras de Sócrates (verdade, bondade e necessidade), e lá vamos nós, propagar a desinformação!
Mas não para por ai.
Há, também, a divulgação de chás, unguentos e toda sorte de superstição!
Precisamos voltar em Kardec, veja o que Erasto nos diz, no capítulo XXI do Evangelho Segundo o Espiritismo (Haverá Falsos Cristos e falsos Profetas):
10. “(…) Mas, há muitos outros meios de serem reconhecidos. Espíritos da categoria em que eles dizem achar-se têm de ser não só muito bons, como também eminentemente racionais. Pois bem: passai-lhes os sistemas pelo crivo da razão e do bom-senso e vede o que restará. Convinde, pois, comigo, em que, todas as vezes que um Espírito indica, como remédio aos males da Humanidade ou como meio de conseguir-se a sua transformação, coisas utópicas e impraticáveis, medidas pueris e ridículas; quando formula um sistema que as mais rudimentares noções da Ciência contradizem, não pode ser senão um Espírito ignorante e mentiroso.”
Mais pra frente, ele completa:
“Em geral, desconfiai das comunicações que trazem um caráter de misticismo e de singularidade, ou que prescrevem cerimônias e atos extravagantes.”
Não parece fácil evitar cair nessas ciladas?
Mas se mesmo assim, precisamos de mais orientação, voltemos ao ESE, no preâmbulo do capítulo XVIII:
“1. Os Espíritos hão dito sempre: “A forma nada vale, o pensamento é tudo. Ore, pois, cada um segundo suas convicções e da maneira que mais o toque. Um bom pensamento vale mais do que grande número de palavras com as quais nada tenha o coração.”
As Fake News não conhecem limites. Aproveitam-se da nossa ingenuidade e da desconfiança que temos do próprio poder de análise, para nos manipular.
E tem mais!
Poderíamos ficar aqui postando milhares de exemplos de mensagens que dificilmente passariam pelo crivo da razão e pelo controle universal dos Espíritos.
Porém, creio que por hoje basta. Há material suficiente para despertar sua curiosidade e lhe motivar a ir atrás.
Esperamos, sinceramente, que esse texto possa despertar a necessidade pelo estudo sério da Doutrina Espírita, e o cuidado que temos que ter ao passar para frente algum material.
Afinal, a responsabilidade em divulgar o erro, será nossa.
Para finalizar, deixo o que para mim é a frase mais emblemática de Kardec para esse assunto:
“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”