Estudo Doutrinário

A VIDA SEM ESPAÇO PARA A DISCRIMINAÇÃO

a vida sem espaço

A VIDA SEM ESPAÇO PARA A DISCRIMINAÇÃO

O ano é 2019, o mês é dezembro, dia 20, 17h da tarde, Joaquim está prestes a terminar seu último dia de trabalho neste ano, o escritório de advocacia em que trabalha, no Largo da Concórdia, irá entrar em férias coletivas. A única coisa que ele quer é que o relógio chegue às 17h30 para poder marcar seu ponto e ir, feliz, para casa.

Eis que o tão sonhado momento chega, ele corre para o marcador de ponto encontrando no caminho alguns colegas com a mesma intenção, parece até corrida de fórmula 1! Joaquim, como um perfeito Ayrton Sena, parte em disparada deixando os demais para traz, apanha o seu cartão e, pronto! Sua felicidade é tanta que até escuta a voz imaginária do Galvão Bueno gritando: JOAQUIM… JOAQUIM… JOAQUIM DA SILVA, DO BRASIL-SIL-SIL!

Após os abraços e desejos de boas festas e tudo o mais que o protocolo manda, cada um toma seu rumo. Joaquim e mais uns cinco colegas tem o mesmo caminho: a estação de metro da Sé. Vão pelo trajeto conversando e contando seus planos para as férias, tudo num clima de muito entusiasmo, até que, de repente, eles se deparam com o inferno na Terra – a estação da Sé tinha mais gente do que teoricamente poderia caber!

Dados do Portal de Governança e Transparência do Metro (para ver mais, clique aqui: <>) dão conta de que, em dezembro de 2019, no horário de pico, haviam, em média, 222 mil pessoas! E Joaquim seria uma entre esse oceano de gente!

Nesse momento, Joaquim com certeza pensou: Como tem gente no mundo!

E tem mesmo!

Somos quase oito bilhões de habitantes neste planeta, nos acotovelando no transporte público, nas estradas, nas filas dos bancos, supermercados, lutando para marcar uma consulta com um clínico geral; é quase uma missão impossível você permanecer sem entrar em contato com outra pessoa!

Isso até pode parecer algo ruim, desconfortável. Ainda mais se pensarmos nas pessoas que temos que conviver mais proximamente, algumas tão difíceis…

Mas vivermos juntos foi a chave para nossa sobrevivência.

O ser humano é, por natureza, um ser gregário, programado biologicamente para viver em grupo, sozinho já teria perecido. Foi através da sua aproximação com outros iguais que nossos irmãos da caverna aprenderam a dividir os afazeres, a se protegerem dos perigos, a dividir sua produção, criando, enfim, nossa sociedade.

A partir dai nossa vida nunca mais foi à mesma. Construímos ferramentas, desenvolvemos tecnologias, aumentamos a produção de alimentos, criamos mecanismos de proteção aos menos aptos, como crianças e idosos, progredimos rumo à evolução!

Nossa história é uma história coletiva, porém, individual.

Parece contraditório, mas explico: cada um dos quase oito bilhões de habitantes desse planeta é um ser individualizado, responsável pelo seu caminho, dono do seu livre arbítrio determinando a velocidade dos seus passos; por outro lado, como seres gregários, sempre teremos a presença do “outro” influenciando nossa vida de forma direta ou indireta, com maior ou menor profundidade, fazendo com que a história do outro se confunda com a nossa em alguns momentos, e vice e versa.

Porém, viver em constante contato com o outro, influenciando e sendo influenciado requer certos atributos que temos que aprender a desenvolver ao longo da vida.

Estamos falando das Habilidades Socioemocionais.

Basicamente, as habilidades socioemociais são competências que nos capacitam a interagir e administrar nossos sentimentos para como o outro, de maneira a guiar o como manteremos nossas relações interpessoais.

Caso consigamos desenvolver essas competências, com certeza, aprenderemos a lidar com o próximo com melhor qualidade, pois estamos falando de habilidades como a Empatia, Respeito, Cooperação, entre outras.

Essas habilidades franquearão uma relação baseada no respeito ao próximo, permitindo compreender claramente o limite do direito de cada um.

Porém, caso fracassemos em sua estruturação na nossa personalidade, poderemos estar alimentando um monstro dentro de nós que procurará devorar ou machucar a todos que fujam do padrão ético-social-cultural pré-determinado.

É dessa deficiência na base da nossa inteligência emocional, na dificuldade de compreender claramente o limite do direito de cada um, que surgem verdadeiras aberrações nas relações humanas.

Racismo, preconceito, segregação, autoritarismo, subjugação, homofobia, xenofobia, são alguns dos nefastos exemplos da podridão que o relacionamento humano pode produzir. Infelizmente, essas atrocidades fazem parte (ainda) do pacote que nos garantiram erguer nossa capacidade de vivermos em sociedade.

Essa inépcia em se relacionar com o próximo tem marcado vergonhosamente nossa sociedade, com a criação de inúmeros monumentos a atrocidade humana, como o Tráfico de Escravos, na época colonial (e atual!); a perseguição religiosa na Santa Inquisição; o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial; e, mais contemporâneo muito em função da coragem da divulgação, a Homofobia (e suas derivações); o Feminicídio e o Infatocídio, para não citar tantos outros.

Tratam-se de atitudes que envergonham a humanidade, demonstrando o quanto ainda temos em aprender na arte de conviver.

Vejam lá nos exemplos que citei: Santa Inquisição. Uma ação financiada e fomentada pela Igreja para perseguir e punir a todos que pensavam diferente, ou, como já escrito acima, uma ação que procurava devorar ou machucar a todos que fugiam do padrão ético-social-cultural pré-determinado.

Ou seja, nem a religião esteve livre da incapacidade de desenvolver as habilidades socioemocionais.

E, infelizmente, tem mais. Vejam a propaganda enganosa que fizeram de Jesus!

Essa é a aparência de Jesus baseada nos estudos feitos pelo especialista forense em reconstrução facial, o britânico Richard Neave, feito para um programa na BBC, que levou em conta a análise de crânios de homens que viveram na região do Oriente Médio, no Século I:

Jesus BBC

Bem diferente da popularizada imagem de um Jesus caucasiano, de olhos claros se passando por um perfeito europeu:

Jesus Caucasiano

O que motivaria esse absurdo histórico-cultural? Certamente, o racismo, o preconceito, e a ideia da supremacia branca que enxerga na cor da pele das pessoas seu caráter e elevação. Simples absurdo..

Conceitos que nos foram impostos de uma forma tão profunda, que, sem perceber, aceitamos e acreditamos!

Atitudes assim infestam nosso dia a dia, disfarçadas na forma de piadas inofensivas ou de máximas populares, mantendo vivo, ainda hoje, mais do que nunca um racismo estrutural que arranca muitas lágrimas, que dilaceram almas, que jogam para o escanteio social uma parcela significativa da nossa humanidade.

Mas ousemos cortar a própria pele! Nem mesmo Kardec esteve livre disso! Convido o amigo a ler o artigo Racismo sob a Luz do Espiritismo, escrito pela companheira Simone Ramos. Lá o amigo verá que até mentes iluminadas como a do Codificador, podem abrigar ideias inaptas.

Ai lhe digo: se isso ocorre com gente assim, quem dirá com pessoas como eu e você!

Mas o que será que nos leva, de uma forma ostensiva ou velada, a acreditarmos sermos melhores que os outros? A julgar a capacidade alheia baseado na cor da sua pele, no seu sexo ou na sua orientação sexual?

Que atrofia intelectual é essa que nós desenvolvemos que nos permite agir assim?

Respostas difíceis de obter. Fazem parte de uma descoberta íntima: novamente o individual imerso no coletivo.

Mas não estamos órfãos de orientações. De uma forma ou de outra, a humanidade sempre teve um farolete a lhe guiar e um mestre para nos forçar a (re)pensar nossas ideias.

A própria Doutrina Espírita é exemplo.

Vejamos na obra O Livro dos Espíritos, no Capítulo IX – Lei da Igualdade, na questão 803:

Perante Deus, são iguais todos os homens?

Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos. Dizeis frequentemente: “O Sol luz para todos” e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.

E na sequência, na questão 806:

É lei da Natureza a desigualdade das condições sociais?

Não; é obra do homem e não de Deus.

Claro, não?

Trata-se de obra humana, fruto da ignorância, da arrogância e da prepotência.

Atitudes infantis de Espíritos igualmente infantis.

Urge sermos artífices da mudança.

É preciso procurar nos mais recônditos cantos da nossa alma os germes, ou melhor, os vermes, que abrigam qualquer comportamento de superioridade perante o próximo. Precisamos acreditar na resposta dada pelos Espíritos a Kardec: Sim, todos (os homens) tendem para o mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos.

Quando, lá no passado bem distante, os primeiros humanos começaram a ver vantagens em viver juntos, não havia espaço para esse comportamento. Com certeza compreendiam, por instinto, que era preciso manterem-se juntos, pois unidos venceriam as dificuldades com mais facilidade.

Passados milênios de evolução, nos deparamos com um mundo com menos perigos, com mais facilidades, mas que ainda nos convida a vivermos juntos. Esse é o nosso desafio: aprender cada vez mais a viver a empatia, a solidariedade, a cooperação, e a Amar ao Próximo Como a Nós Mesmos!

Caso você queira explorar mais esse assunto, há uma palestra com esse tema no nosso canal do Youtube, assista-a.

Todo esforço para erradicar do mundo, e de nós mesmos, essas aberrações, devem ser levados com muito empenho e dedicação!

 

Fábio Campos é colaborador da Associação Anjo Ismael.

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